O Desafio da Educação
A forma como representamos o
mundo que nos rodeia interfere diretamente nos processos educativos,
visto que, à medida que o conhecimento é ampliado, modifica-se a visão
da realidade na qual nos encontramos inseridos, como se observa nos
registros que se seguem. (1)
1. Pré-história – o
surgimento da escrita foi fator impactante e facilitador do ensino e da
aprendizagem. As primeiras representações escritas aconteceram no
neolítico, na Idade de Bronze, sob a forma de sinais e ideogramas que
evoluíram para registros linguísticos simples, denominados cuneiformes.
(2)
2. Idade Antiga ou Antiguidade (4000
a 3500 a.C.) – os processos educativos mais relevantes ocorrem na
Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma. Eram elitizados e focados na
solução dos problemas cotidianos. (2)
3. Idade Média (século V a parte do século XV) –
a educação, de responsabilidade exclusiva da Igreja Católica, era de
acesso difícil e restrito, priorizando-se o prestígio, a influência
política e a riqueza dos alunos, integrantes da realeza, nobreza e do
clero. As escolas funcionavam anexas às catedrais e aos monastérios ou
em alguns mosteiros, onde se lecionavam as sete artes liberais: gramática, retórica, lógica, aritmética, geografia, astronomia e música.
(3) A metodologia do ensino resumia-se às extensas preleções de temas
previamente preparados pelos religiosos, submetendo alunos e
professores a uma rígida e irracional disciplina, sobretudo quanto a
horários, assiduidade, atitudes, comportamentos e avaliações da
aprendizagem.
Neste horizonte de intolerância,
contudo, surgem duas importantes contribuições: a de Santo Agostinho
(350-430 d.C.) que seguia o ideal platônico, defendia a ideia de que a
aprendizagem só pode ser satisfeita por Deus e recomendava “(…) aos
educadores jovialidade, alegria, paz no coração e ás vezes também alguma
brincadeira” (4); e a de Thomas de Aquino (1224-1274 d.C.) que,
rompendo o paradigma vigente, introduz debates em sala de aula, a fim de
“(…) evitar o tédio e despertar a capacidade de admirar e perguntar.”
(5) A sua metodologia, então denominada Escolástica ou Escolasticismo (do latim scholasticus = que pertence à escola, instruído), favoreceu a criação de diversas universidades na Europa, como as de Paris, Oxford, Cambridge, Salerno, Bolonha, Nápoles, Roma, Pádua, Praga e Lisboa. (3)
- Renascença (período situado entre século XV e o XVI) – a educação renascentista priorizava o estudo da filosofia grega, a matemática e as ciências da natureza. A exatidão do cálculo chegou até mesmo a influenciar o projeto estético dos artistas desse período. A razão foi eleita como a forma de adquirir conhecimento do mundo e das coisas. (5)
5. Idade Moderna (1453 a 1789) –
o processo educativo passa por profundas modificações, sendo o ensino
caracterizado pelo didatismo, adoção de diferentes matérias
(disciplinas) no currículo escolar e concedendo-se maior liberdade aos
alunos. São ideias advindas dos princípios da reforma protestante, da
contrarreforma católica com a fundação da Companhia de Jesus, dirigida
pela ordem jesuíta; do pensamento difundido pelo matemático René
Descartes (1596-1650) — que cultuava a razão como o único instrumento da
aprendizagem —, e do iluminista Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que
pregava um ensino mais leve e livre, de contato com a Natureza,
distante das amarras das reforma protestante, da contrarreforma católica
e dos exageros do racionalismo. (6)
6. Idade Contemporânea
(após 1789) – predomina-se o culto à razão, resultante do amálgama de
ideologias, princípios, métodos e recursos do tecnicismo e do didatismo,
a maioria conflitante entre si. Mas, face o redesenhamento da
sociedade, determinado pelas sucessivas e cumulativas descobertas
científicas e inovações tecnológicas, associadas às revoluções liberais e
às duas guerras mundiais profundos abalos ocorrem na educação que, em
decorrência, é submetida a extenso e profundo desafio. (7)
Importa considerar que a Doutrina Espírita, transmitida em 1857 com a publicação de O Livro dos Espíritos,
conceitua educação como “(…) a arte de formar caracteres (…)” (8) que
é, justamente, o sentido que os estudiosos atualmente estão propondo
para a construção do modelo educativo do milênio. Todavia, um dos
maiores desafios da educação nos dias atuais é saber enxergar a pessoa
como um ser integral. E mais: que o afeto, a ética e a moral devem,
sim, governar o comportamento humano, em qualquer local e sob quaisquer
circunstâncias. Hoje, sabe-se que não se pode conceber um processo de
ensino e aprendizagem que priorize apenas o intelectualismo e a razão.
Este foi o erro de Descartes que, ao anunciar sua célebre frase “penso,
logo existo”, estabeleceu. dicotomia entre o pensar e o existir, pois é
quase impossível pensar e existir exclusivamente de forma racional,
ignorando os sentimentos e as emoções. Rousseau, neste aspecto, foi
além ao afirmar que a principal característica que não pode faltar em um
professor é a sua capacidade de educar o aluno para transformá-lo em um
homem de bem, tal como orienta a Doutrina Espírita.
Outro desafio, não menos importante,
está relacionado ao ambiente da aprendizagem: sufocante e improdutivo
no passado, ainda é reproduzido, no presente, em certas sociedades
fechadas, sobretudo nas religiosas. Neste sentido, não podemos ignorar
que o estudo desenvolvido no meio espírita ainda apresenta
características que lembram as práticas da escolásticas (não há um livre
debate, pois este é preparado de acordo com as regras do didatismo, e
nem todos os assuntos podem ser discutido); o estudo doutrinário ou
apresenta perfil conteudista e racionalista, desenvolvido em cursos de
longa duração. Trata-se de uma triste constatação porque toda e qualquer
orientação espírita deveria, necessariamente, pesar as consequências
morais, referendadas pelo Evangelho de Jesus, e serem transmitidas de
forma simples, ainda que apoiadas nos meios tecnológicas e nas dinâmicas
pedagogias, utilizadas meramente como meios didáticos. Vemos, assim,
que o. ambiente de aprendizagem do Centro Espírita precisa ser
repensado, estabelecendo-se um espaço de verdadeira interação
sociocultural, acolhedor por excelência, mesmo que as condições
ambientais sejam modestas. Ambiente em que a pessoa se sinta bem-vinda,
respeitada, aceita, estimada, livre para participar dos encontros de
estudos, sem constrangimentos e imposições, que desconsiderem as
diferenças individuais e a diversidade cultural e econômica. Daí ser
importante manter-se atento a estes esclarecimento de Allan Kardec: .
Todos falam da importância da educação,
mas esta palavra é, para a maioria, um significado excessivamente
impreciso. (…) A educação é a arte de formar homens, isto é, a arte de
neles fazer surgir os germes das virtudes e reprimir os do vício; de
desenvolver sua inteligência e dar-lhes instrução adequada às
necessidades. (…) Em uma outra palavra, o objetivo da educação consiste
no desenvolvimento simultâneo das faculdades morais, físicas e
intelectuais. (9)
Referências Bibliográficas
1 MORIN, Edgar. A religação dos saberes. O desafio do século XXI. Trad. de Flávia Nascimento. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, cap. 1, pag.29-32.
2 Educação na Antiguidade. http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3920034
3 Educação na Idade Média. www.brasilescola.com
4 GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2008, cp.4, pág. 56.
5 ______, p. 58..
6 A História da Educação/Período Moderno http://www.pedagogia.com.br/historia/moderno.php Nascimento, Claudia T. A história da educação ao longo dos tempos… Uma viagem histórica. Parte V – a Educação contemporânea.
8 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. de Evandro Noleto Bezerra. 4 ed. Brasília: FEB, 2013, q. 685-a, pág.306.
9 RIVAIL, Hippolyte léon Denizard. Plano proposto para a melhoria da educação pública. Trad de Albertina Escudeiro Seco. 1ª ed. Rio de Janeiro: Edições Léon Denis, 2005, p. 11-12.
www.febnet.org.br
Marta Antunes Moura,
coordenadora das Comissões Regionais na área da Mediunidade da Federação
Espírita Brasileira (FEB), Vice-presidente da FEB.