sexta-feira, 30 de março de 2012

Desaparecimento do Corpo de Jesus

     O desaparecimento do corpo de Jesus após sua morte há sido objeto de inúmeros comentários. Atestam-no os quatro evangelistas, baseados nas narrativas das mulheres que foram ao sepulcro no terceiro dia depois da crucificação e lá não o encontraram. Viram alguns, nesse desaparecimento, um fato milagroso, atribuindo-o outros a uma subtração clandestina.
     Segundo outra opinião, Jesus não teria tido um corpo carnal, mas apenas um corpo fluídico; não teria sido, em toda a sua vida, mais do que uma aparição tangivel; numa palavra: uma espécie de agênre. Seu nascimento, sua morte e todos os atos materiais de sua  vida teriam sido apenas aparentes. Assim foi que, dizem, seu corpo, voltado ao estado fluidico, pode desaparecer do sepulcro e com esse mesmo corpo é que ele se teria mostrado depois de sua morte.
     É fora de dúvida que semelhante fato não se pode considerar radicalmente impossivel, dentro do que hoje se sabe acerca das propriedades dos fluidos; mas, seria, pelo menos, inteiramente excepcional e em formal oposição ao caráter dos agêneres. (Cap XIV, nº 36) Trata-se, pois, de saber se tal hitótese é admissível, se os fatos a confirmam ou contradizem.
    A estada de Jesus na Terra apresenta dois períodos: o que precedeu e o que se seguiu à sua morte. No primeiro, desde o momento da concepção até o nascimento, tudo se passa, pelo que respeita à sua mãe, como nas condições ordinárias da vida. Desde o seu nascimento até a sua morte, tudo, em seus atos, na sua linguagem e nas diversas circunstâncias da sua vida, revela os caracteres inequivocos da corporeidade. São acidentais os fenômenos de ordm psíquica que nele se produzem e nada têm de anômalos, pois que se explicam pelas propriedades do perispírito e se dão, em graus diferentes, noutros individuos. Depois de sua morte, ao contrário, tudo nele revela o ser fluidico. É tão marcada a diferença entre os dois estados, que não podem ser assimilados.
    O corpo carnal tem as propiedades inerentes à matéria propriamente dita, propriedades que diferem essencialmente das dos fluidos etéreos; naquela, a desorganização se opera pela ruptura da coesão molecular. Ao penetrar no corpo material, um instrumento cortante lhe divide os tecidos; se os órgãos essenciais à vida são atacados, cessa-lhes o funcionamento e sobrevém a morte, isto é, a do corpo. Não existindo nos corpos fluidicos essa coesão, a vida aí já não repousa no jogo de órgãos especiais e não se podem produzir desordens análogas àquelas. Um instrumento cortante ou outro qualquer penetra num corpo fluidico como se penetrasse numa massa de vapor, sem lhe ocasionar qualquer lesão. Tal a razão por que os seres fluidicos, designados pelo nome de agêneres, não podem ser mortos.
    Após o suplicio de Jesus, seu corpo se conservou ineste e sem vida; foi sepultado como o são de ordinário os corpos e todos o puderam ver e tocar. Após a sua ressurreição, quando quis deixar a Terra, não morreu de novo; seu corpo se elevou, desvaneceu e desapareceu, sem deixar qualquer vestígio, prova evidente de que aquele corpo era de natureza diversa da do que pereceu na cruz; donde forçoso é concluir que, se foi possível que Jesus morresse, é que carnal era o seu corpo.
    Por virtude das suas propriedades materiais, o corpo carnal é a sede das sensações e das dores fisicas, que repercutem no centro sensitivo ou Espírito. Quem sofre não é o corpo, é o Espírito recebendo o contragolpe das lesões ou alterações dos tecidos orgânicos. Num corpo sem Espírito, absolutamente nula é a sensação. Pela mesma razão, o Espírito, sem corpo material, não pode experimentar os sofrimentos, visto que estes resultam da alteração da matéria, donde também forçoso é se conclua que, se Jesus sofreu materialmente, do que não se pode duvidar, é que ele tinha um corpo material de natureza semelhante ao de toda gente.
     Aos fatos materiais juntam-se fortissimas considerações morais.
     Se as condições de Jesus, durante a sua vida, fossem as dos seres fluidicos, ele não teria experimentado nem a dor, nem as necessidades do corpo. Supor que assim haja sido é tirar-lhe o mérito da vida de privações e de sofrimento que escolhera, como exemplo de resignação. Se tudo nele fosse aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada predição de sua morte, a cena dolorosa do Jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para que lhe afastasse dos lábios o cálice de amarguras, sua paixão, sua agonia, tudo, até ao último brado, no momento de entregar o Espírito, não teria passado de vão simulacro, para enganar com relação à sua natureza e fazer crer num sacrificio ilusório de sua vida, numa comédia indigna de um homem simplesmente honesto, indigna, portanto, e com mais forte razão de um ser tão superior. Numa palavra: ele teria abusado da boa-fé dos seus contemporâneos e da posteridade. Tais as consequências lógicas desse sistema, consequências inadmissíveis, porque o rebaixariam moralmente, em vez de o elevarem. Jesus, pois, teve, como todo homem, um corpo carnal e um corpo fluidico, o que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência.
      Não é nova essa idéia sobre a natureza  do corpo de Jesus. No quarto século,  Apolinário, de Laodicéia, chefe da seita dos apolinaristas, pretendia que Jesus não tomara um corpo como o nosso, mas um corpo impassível, que descera do céu ao seio da santa Virgem e que não nascera dela; que assim, Jesus não nascera, não sofrera e não morrera, senão em aparência. Os apolinaristas foram anatematizados no concílio de Alexandria, em 360; no de Roma, em 374; e no de Constantinopla, em 381.
      Tinha a mesma crença os Docetas (do grego dokein, aparecer), seita numerosa dos Gnósticos, que subsistiu durante os três primeiros séculos.
A Gênese, Cap XV - Itens 64 à 67.

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